Meditação: Algumas das Principais Vias de Meditação – Vias Ocultistas – 08 05 2023

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lama Anagarika Govinda

– O Zen

Quer dizer literalmente sentar em silêncio e meditar, sem entoação de mantras ou outros recursos externos. Não há um objeto alvo da meditação; ele busca esvaziar a mente e fazer um encontro com o “eu”, promovendo o autoconhecimento.

Zen é o nome japonês da tradição Ch’an, que surgiu na China por volta do século VII. Costuma ser associado ao Budismo do ramo Mahayana. Foi cultivado, inicialmente, na China onde recebeu influências taoistas e posteriormente migrou para o Japão, Vietnã e Coréia

A palavra Zen é um cognato do termo páli jhana, e ambos derivam do sânscrito dhyana (“meditação”). O intercâmbio cultural que culminou no Zen japonês liga‑o à tradição do Visuddhimagga através da escola Wan de meditação chinesa. As mudanças sofridas na viagem ao longo do tempo e do espa­ço da Índia do século V até o Japão são mais eviden­tes na doutrina do que nas características da prática. As dife­renças doutrinais ‑ bem semelhantes às que existem entre o budismo Theravada e o Mahayana ‑ enfatizaram essas mudanças e obscureceram as similaridades. Algumas versões da meditação Zen, ou zazen, permanecem idênticas à atentividade ou à introvisão. Tal como na atentividade, todas as variedades de zazen alargam seu foco da meditação sentada para todo o espectro das situações de vida do meditador.

O zazen prática do Zen importa, mas estudos escritos extensivos são desencorajados. O antigo mestre Soro Dogen afirmava:

Não importa o quanto você diga conhecer bem… as doutrinas esotéricas e exotéricas; enquanto possuir uma mente que está presa ao corpo, você contará em vão os tesouros dos outros, sem ganhar sequer meio centavo para si mesmo.

O zazen começa, como o vipassana, com um firme assenta­mento na concentração; uma ampla variedade de técnicas de concentração é empregada. O samadhi ou jhana, na terminolo­gia zen, é a “grande fixação” ou “um estado de unidade”, em que as diferenças entre as coisas se dissolvem para que elas sur­jam para o meditador com o aspecto de uniformidade. Esse é um estado intermediário na trilha rumo à realização final do zen. D. T. Suzuki adverte 

“Se esse estado de grande fixação for tomado como o final, não haverá elevação, nem impulso para o satori, nem penetração, nem introvisão na Rea­lidade, nem corte das amarras de nascimento e morte”.

– O tantra indiano e o yoga kundalini

 

A tradição tântrica originária da Índia é, segundo algumas fontes, um refinamento de antigas práticas xamanísticas que conquistaram seu lugar nos sistemas de meditação tanto hin­dus quanto budistas. O tantra indiano altera a consciência despertando energias que estão normalmente latentes. Alguns sistemas de meditação introduzidos no Oci­dente têm suas raízes no yoga kundalini, uma doutrina tântri­ca. A kundalini, diz a fisiologia tântrica, é uma enorme reserva de energia espiritual localizada na base da coluna. Quando des­pertada, a kundalini percorre a coluna atravessando seis centros, ou chakras, alcançando o sétimo no topo da cabeça. A kundalini tem poucos correlatos específicos com as noções ocidentais de anatomia. Os chakras se referem a padrões de energia, localiza­dos em determinados centros não físicos, que tem correlação com os conjuntos glandulares mais importante.

Quando a kundalini se concentra num chakra, ela ativa energias características desses centros. Cada chakra tem um conjunto emblemático de atitudes, motivos e estados mentais que dominam a mente de uma pessoa quando a kundalini a excita.

O primeiro chakra, localizado entre o ânus e a genitália, tem a ver com a luta pela sobrevivência, territorialidade, possessividade, força bruta, preocupação descabida com o corpo e a saúde, e o temor pela própria segurança ‑ tudo isso reflete o estado mental do primeiro chakra.

O segundo chakra abrange a sexualidade e a sensualidade. Está na região 5 cm abaixo do umbigo. Quando esse chakra é ativado, a concupiscência, a cupidez e a ânsia por pra­zeres sensuais são o estado mental predominante.

A ânsia de ser poderoso e de influenciar os outros está ligada ao terceiro chakra, localizado perto do umbigo. A persuasão ou a manipu­lação dos outros para que sirvam aos propósitos de alguém são o comportamento do terceiro chakra.

A maioria das pessoas na maior parte do tempo é motiva­da por estados mentais em que esses três primeiros chakras estão ativos.

O yoga kundalini visa a elevar essas energias para os chakras mais altos, tal como a cabala procura levar a cons­ciência para planos superiores.

 O quarto chakra, no centro do peito, perto do coração, representa o amor altruísta e o cuida­do para com os outros. O amor puro de uma mãe por seu filho vem do quarto chakra. Mas o amor do quarto chakra não é romântico; ao contrário, ele se combina com um desapego cla­rividente que leva à compaixão.

Quando a kundalini ativa os três chakras mais altos, o yogui vivência estados transcendentais. Esses três centros são o quinto chakra na garganta, o sexto no centro da testa e o sétimo no topo da cabeça. O meditador procura liberar a kundalini de seus chakras inferiores, onde habi­tualmente está aprisionada, e conduzi‑la para os superiores. Quando a kundalini alcança seu sétimo chakra e se estabiliza ali, ele sente um estado de intenso êxtase e de união com Deus. Ele é considerado liberto, livre da servidão àqueles hábitos e atos que derivam dos chakras inferiores, dos quais a maioria dos homens é prisioneira.

A essência da prática tântrica é o uso dos sentidos para transcender a consciência sensual no samadhi. Embora os senti­dos sejam, obviamente, o meio para a transcendência em todas as técnicas de unidirecionalidade, o tantrismo é único na diver­sidade de técnicas que oferece para transcender a consciência dos sentidos. Entre elas estão o uso do mantra; yantra, objetos para exercícios de visualização como uma mandala; concentra­ção em shabd, sons interiores super sutis; pranayam e asanas; concentração no jogo de forças nos chakras; e maithuna, o des­pertar do Shakti ‑ energia kundalini ‑ por meio da prática sexual controlada e ritual.

O maithuna é a técnica tântrica que mais fascina os oci­dentais, que com demasiada freqüência confundem‑na com uma indulgência para com os apetites sexuais, em vez de vê­-la como meio para dominá‑los. O intercurso sexual ritual é um meio poderoso para despertar a energia kundalini, permi­tindo ao yogui auto disciplinado que conduza essa energia para seus chakras superiores. O maithuna é uma das cinco ações geralmente proibidas para os yogis hindus, mas usadas pelos tântricos do Bon Marg, ou “via canhota”. As quatro primeiras são o consumo de peixe, carne e álcool e a realização de certos mudras, coisas que o tântrico faz de modo estritamente ritual, como um prelúdio ao maithuna. Ao longo do ritual, ele faz o japa silencioso de seu próprio mantra especial, dado por seu guru, e em dados momentos recita alguns outros mantras. Durante o próprio maithuna, o yogui executa ações rituais cuida­dosamente traçadas ‑ incluindo onde e como tocar exatamente o corpo do parceiro.

No maithuna, o homem é passivo, a mulher é ativa; já que o objetivo é o despertar da energia, mais do que o clímax, há pouco movimento. Durante o intercurso, o tântrico mental­mente recita mantras como: “Om, a ti, deusa resplendente… dentro do fogo do eu, usando a mente como uma concha sacri­fical, eu, que estou empenhado em domar os órgãos dos senti­dos, ofereço esta oblação”. No momento da ejaculação, ele deve repetir um mantra que consagra seu próprio sêmen como uma oferenda sacrifical.

A chave para o maithuna, bem como a meta de todas as práticas tântricas, é o desprendi­mento nascido do samadhi. Esse desprendimento converte a energia dos desejos em formas mais elevadas. Os textos tântri­cos freqüentemente repetem: “Pelos mesmos atos que fazem com que alguns homens queimem no inferno por milhares de anos, o yogin ganha a “salvação eterna”. A linguagem tântrica é velada e, assim, presta‑se a diver­sos níveis de interpretação. Ações que, vistas de fora, parecem impróprias podem ter, dentro do Tantra, um significado espe­cial, mais profundo. Um exemplo desse significado duplo no Tantra é um kapala tibetano, uma taça feita de um crânio humano engastado numa base de prata. Sua descrição num museu afirma:

O vaso contém o Amrit usado na execução de rituais esotéricos. Aqueles que têm conceitos dualistas como puro e impuro não podem admitir o uso de um crânio humano. Mas os tântricos, que ganharam a Sabedoria Transcendental, não têm superstição e para eles taças de ouro e crânios humanos são a mesma coisa. Os crânios são usados para simbolizar essa atitude da mente.

Uma versão moderna do yoga kundalini é o siddha‑yoga, ensinado pelo falecido Swami Muktananda.

 

Swami Muktananda.

Este sistema começa com as práticas tra­dicionais como asana, pranayam, cânticos e japa. Ele instrui o noviço a meditar com o mantra “Guru Om”, ou com cada res­piração, “so‑ham”. Muktananda enfatiza as relações guru‑discí­pulo. O núcleo do treinamento siddha‑yoga é a tradição na qual o guru oferece ao discípulo uma experiência transcendental. direta, instantânea. Esse processo, chamado shaktipat diksha, é uma iniciação pelo olhar, pelo toque ou pela palavra. Nessa transmissão o discípulo que se aproxima do guru com amor, devoção e fé tem seu shakti ‑ a energia da kundalini ‑ ativado. Quando isso ocorre, todas as outras práticas podem ser abandonadas. A ação interna da kundalini produz meditação, pranayam, asanas e mudras espontâneos sem o treinamento ou a vontade prévia do discípulo. Esse processo de purificação atra­vés do shaktipat pode levar de três a doze anos. Nesse período, ele transforma inteiramente a personalidade do praticante, pois o “eu limitado” foi abandonado. O devoto atinge um sentimento de “unidade com o Intelecto Cósmico onipresente”. As imagens e a terminologia com que Muktananda descreve esse processo derivam da kundalini:

A kundalini, que fica no Muladhara (primeiro chakra), gradual­mente se eleva, atravessando os chakras em seu caminho, até alcan­çar o Sahasrara (sétimo chakra), o lótus de mil pétalas na coroa da cabeça… e o esforço espiritual de um aspirante é recompensado.

Durante o shaktipat o meditador pode experimentar uma ampla variedade de reações involuntárias. Elas incluem pode­rosos estados de alegria, languidez ou agitação; estranhas pos­turas corporais, gestos, tremores ou poses de dança; sentimen­to de fascínio ou temor; um período de dor em todas as partes do corpo; diversas agitações internas, palpitações musculares ou arrepios; meditação profunda espontânea; visões de luzes, divindades ou lugares celestiais acompanhadas de grande ale­gria e arrebatamento; e, finalmente, há uma “luz divina de bri­lho indescritível” ou um sutil som interior durante a medita­ção.

Esses fenômenos servem para purificar o meditador de modo que ele possa sustentar o turiya ‑ um estado semelhante ao jhana ‑ mesmo durante os três estados normais de vigília, sono e sonho. Ele atingirá o estado ulterior de Turiyatita quan­do sua kundalini tiver se estabilizado no chakra mais alto, o Sahasrara. Uma pessoa nesse estado avançado esqueceu a cons­ciência do corpo, goza uma beatitude extraordinária e profun­da tranqüilidade e conquistou “o fruto do Yoga”, permanecen­do “sempre absorvida no Estado Supremo”, faça o que fizer. Ela executa todo e qualquer ato com paz e serenidade. Um discípulo de Muktananda, Amma diz de alguém nesse estado: “Ele não tem nada o que fazer nem o que realizar; entretanto, ele executa as atividades da vida mundana manten­do um distanciamento delas”. Alguém em turiyatita tornou‑se um siddha, nome que denota os poderes psíquicos supranor­mais que ele supostamente possui, entre os quais a capacidade de despertar a kundalini nos outros.

O yoga tantra é um dos raros sistemas de meditação tra­dicional que vêem no alcance de siddhis (poderes psíquicos supranormais) pelo yogui a marca do fim de sua trilha. Diz uma escritura tântrica: “Pois todo sadhana cessa quando deu seu fruto em siddhi”. Algumas práticas tântricas, são designadas para produzir siddhis específicos, como a leitura da mente. Uma razão para os siddhis representarem libertação para alguns é o status elevado que a posse desses poderes implica. Mas a meditação é central para todas as práticas tântricas; o despertar da kundalini é o meio; o samadhi é o objetivo.

– O budismo tibetano

As técnicas do Mahayana tibetano estão fundamentadas na tradição budista clássica expressa pelo Visuddhimagga. Ele tam­bém combina elementos clássicos puramente tibetanos e tan­trismo. Num esboço de teoria e prática da meditação feito pelo Dalai Lama, a teoria apresentada é essencialmente a do Visuddhimagga theravadano ‑ ou como os mahayanistas chamam o Theravada, a tradição “Hinayana”, ou “Veículo Menor”, em contraste com o “Veículo Maior” deles. Uma diferença funda­mental entre essas duas importantes tradições budistas é que o bodhisattva mahayana promete obter a iluminação não apenas para si mesmo, mas para a salvação de todos os seres sencien­tes. Essa diferença no motivo, diz o Dalai Lama, é decisiva; ela cria uma diferença tanto no caminho quanto na meta. Ele considera o nirvana hinayana como uma etapa prévia ao objetivo mahayana de bodhisattvidade. Entretanto, sua concepção do esta­do nirvânico concorda com a do Visuddhimagga: é “libertação dessa servidão” de samsara por uma cessação em que as “raízes da ilusão são totalmente arrancadas”, o ego ou “eu pensante” é extirpado. Mas para os mahayanistas a meta está além do nirva­na, está em regressar ao mundo e ajudar os outros na salvação.

lama Anagarika Govinda

O motivo determina o resultado da introvisão dentro do vazio. Se a pessoa desenvolve a introvisão somente para libertar‑se a si mesma, ela será aquilo que o Visuddhimagga, como vimos anteriormente, chama um arahant. Se for motivada pelo “Bodhi‑chitta de amor e compaixão”, ela obtém a “liberação do bodhisattva”, em que seu estado de consciência faz dela um veículo de compaixão mais perfeito de modo a poder conduzir outras pessoas à libertação. Em ambos os casos, diz o Dalai Lama, um bodhisattva “limpou sua mente de todas as impurezas e removeu os motivos e inclinações que levavam a elas”. Ele cortou os laços com o mundo normal de nome e forma, o locus da consciência ordinária.

A via Mahayana começa como um ensinamento muito próximo da doutrina Visuddhimagga. Existem três “preceitos morais”, modos de o meditador realizar o “Triplo Refúgio” ‑ Buddha, Dharma e Sangha ‑ como suas realidades internas. O primeiro preceito do meditador do budismo tibetano é o sila, votos de comportamento irrepreensível. O segundo é o samadhi’ (tibetano: shiney), fixação da mente em um objeto para desenvolver sua unidirecionalidade. As condições aconselháveis para praticar o samadhi são as mesmas do Visuddhimagga. O meditador deve viver em reclusão, cortar suas amarras com as ativida­des mundanas e assim por diante. Os primeiros objetos de meditação incluem aqueles listados no Visuddhimagga, tal como a consciência da respiração. Alguns, especialmente nos últimos estágios, assemelham‑se a deidades tântricas indianas. Esses temas mais avançados são o objeto de visualização. Tais temas vêm em inúmeros aspectos “de modo a acompanhar as atitudes físicas, mentais e sensuais de diferentes indivíduos”, e desper­tam multa fé e devoção. Esses temas de visualização incorpo­ram diferentes aspectos da mente. O meditador identifica‑se com esses estados ou qualidades mentais à medida que visuali­za a figura. Chogyam Trungpa descreve uma des­sas figuras:

Sobre o disco da lua de outono, claro e puro, tu colocas uma sílaba ‑ semente. Os serenos raios azuis da sílaba ‑ semente emanam serena compaixão que se irradia para além dos limites do céu ou do espaço. Ela satisfaz as necessidades e desejos dos seres sencien­tes, trazendo um calor primordial para que as confusões possam ser esclarecidas. Então, a partir da sílaba ‑ semente, tu crias um Mahavairocana Buddha, branco na cor, com os traços de um aristocrata ‑ um menino de oito anos com um olhar belo, inocente, puro, poderoso, nobre. Veste trajes de um rei da Índia medieval. Usa uma coroa dourada cintilante incrustada de jóias maravilho­sas. Parte de seus longos cabelos negros baloiçam sobre seus ombros e costas; o resto está arranjado num coque encimado por um radiante diamante azul. Está sentado de pernas cruzadas sobre o disco lunar com suas mãos no mudra de meditação segurando um vajra lavrado no puro cristal branco.

O Dalai Lama lista quatro passos para atingir o samadhi. Há uma fixação inicial da mente do meditador no objeto pri­mário enquanto tenta prolongar seu período de meditação nesse objeto. No próximo passo, sua concentração é intermi­tente. As distrações vem e vão em sua mente, alternando com atenção no objeto primário. Nessa fase, ele pode experimentar alegria e êxtase em sua unidirecionalidade; esses sentimentos fortalecerão seus esforços na concentração. Essa fase, como o jhana de acesso, culmina quando a mente finalmente ultrapassa todo distúrbio, permitindo‑lhe concentrar‑se no objeto sem nenhuma interrupção, na perfeita unidirecionalidade dos jhanas. A etapa final é a da “quietude mental”, em que sua concentra­ção total vem com esforço mínimo ‑ isto é, domínio do jhana. O meditador pode agora concentrar‑se em qualquer objeto com facilidade; tornaram‑se possíveis poderes psíquicos.

O domínio do jhana é importante no Mahayana não pelos poderes que torna possível, mas devido à sua utilidade para que o meditador realize o Sunyata, o esvaziamento essencial do mundo dos fenômenos, incluindo o mundo de dentro da mente do meditador. O instrumento para esse rompimento é o tercei­ro preceito do meditador, a prática do vipassana (tibetano: thag­-thong). Ele usa o poder do samadhi como um degrau para a meditação no Sunyata. O Dalai Lama não especifica detalhes da técnica do vipassana na prática tibetana. Mas menciona que o fluxo da mente indisciplinada do meditador pode ser interrompido “e a mente dispersiva ou projetante pode ser trazida ao repouso pela concentração na constituição física do corpo e na constituição psicológica da mente da pessoa”‑ duas técnicas de vipassana ensinadas no Visuddhimagga. Por meio do vipassana com o Sunyata como foco, o meditador descarta suas crenças no ego, atingindo finalmente “a meta que conduz à destruição de todas as impurezas morais e mentais”.

Essa meta, porém, não representa a culminação do desen­volvimento espiritual do meditador no budismo tibetano, mas uma etapa ao longo do caminho em sua prática e evolução pos­terior. O controle dos processos mentais, que ele obtém através da concentração e da introvisão, prepara‑o para treinamento ulterior em técnicas como visualizações e o cultivo de qualida­des como a compaixão. As diversas escolas dentro do budismo tibetano têm sua ênfase particular e programas exclusivos para treinamento avançado. Em todas elas, as habilidades meditati­vas básicas de concentração e introvisão são pré‑requisitos para esforços mais complexos, avançados, no treinamento da mente do meditador

Chogyam Trungpa

– O yoga ashtanga de Patanjali

O manual hinduísta para meditadores mais semelhante ao Visuddhimagga é o Yoga Sutras de Patanjali, ainda a fonte mais autorizada sobre yoga hoje em dia. A maioria dos sistemas de medita­ção indianos modernos, incluindo a MT, reconhece o Yoga Sutras como uma fonte de seus próprios métodos. Existem inú­meras escolas espirituais chamadas “yoga”: o bhakti yoga  o caminho da devoção; o karma yoga usa o serviço altruísta; e o jnana yoga toma o intelecto como seu veículo. A via esboçada no Yoga Sutras condensa todas elas.

Embora seus métodos possam variar, todas as trilhas yogi­cas buscam transcender a dualidade na união. Todas essas tri­lhas consideram que o locus da dualidade está dentro da mente, na separação entre os mecanismos de consciência e seu objeto. Para transcender a dualidade, o aspirante deve penetrar um estado em que essa falha é superada na fusão do vivenciador com o objeto. Esse estado é o samadhi, onde a consciência do meditador funde‑se com seus conteúdos.

Os aforismas do yoga são um mapa esquemático desse estado. A mente, diz ele, está repleta de ondas de pensamento que criam o abismo que o yoga procura transpor. Acalmando suas ondas de pensamento, apaziguando sua mente, o yogui encontrará a união. Essas ondas de pensamento são fruto de emoções fortes e de hábitos cegos que prendem o homem a um falso eu. Quando sua mente fica clara e quieta, o homem pode conhecer a si mesmo como realmente é. Nessa quietude, pode conhecer Deus. Nesse processo, sua crença errônea em si mesmo como um indivíduo único, separado de Deus, será superada. À medida que suas ondas de pensamento são harmonizadas, o ego do yogui deixa de existir. Finalmente, como homem liber­to, está apto a vestir seu ego ou a descartá‑lo como um conjun­to de roupas. Vestindo seu ego, ele age no mundo; descartan­do‑o pelo apaziguamento da mente, ele une‑se a Deus.

Mas primeiro ele precisa submeter‑se a uma disci­plina de mente e corpo. Essa transformação começa com a con­centração, voltando sua mente para a unidirecionalidade. No sistema de Patanjali, a unidirecionalidade é o principal méto­do em torno do qual giram todos os demais. Algumas fontes fazem os aforismas remontar a 1500 anos, por volta do mesmo período do Visuddhimagga. O Zeitgeist espiritual de então está refletido em ambos; de fato, as trilhas que eles esboçam são em grande parte idênticas. A principal diferença entre esses dois manuais de meditação é a insistência de Patanjali de que o samadhi, mais do que o nirvana, é a estrada para a libertação.

O yoga real (“do rei”), ou raja yoga, descrito por Patanjali impõe ashtanga: oito práticas. As duas pri­meiras, yama e niyama, são o treino moral para a pureza. As duas seguintes são asana, o desenvolvimento através de exercí­cios físicos de uma postura firme e ereta, ou “sentada”, e pranayama, exercícios para controlar e acalmar a respiração. Tanto a terceira quanto a quarta praticas se desenvolveram intrincadamente por conta própria, de modo que algumas escolas yogicas usam essas práticas como seus métodos principais ‑ e a maio­ria dos ocidentais associam “yoga” exclusivamente com essas duas praticas.

A maior parte dos manuais de hatha e pranayama salientam que elas são auxílios para a obtenção do samadhi, e não fins em si mesmas. Alguns, porém, concentram‑se exclusivamente em rigorosas purificações físicas como meio de alterar a consciência.

Vyas Dev, por exemplo, detalha 250 posturas asana, elabora cinqüenta diferentes exercícios pranayam e 25 shat‑karmas e mudras ‑ métodos para limpeza dos órgãos inter­nos. Antes de se sentar em meditação profunda por um longo período, adverte Vyas Dev, o yogui deve limpar totalmente os intestinos pela injeção e expulsão de água através do ânus, esva­ziar a bexiga pela injeção e expulsão de água por meio de um cateter, e purificar seu sistema digestivo engolindo e puxando de volta cerca de vinte metros de cordão feito de fio fino. Deve também engolir dois ou três quartilhos de água morna salgada para provocar vômito, e engolir e puxar de volta uma fita de gaze de três polegadas de largura e sete metros de comprimen­to para terminar o trabalho. Ele então está pronto para a medi­tação séria.

A estipulação de Pantajali acerca dessas quatro primeiras partes, porém, é que o yogui deve fazê‑las simplesmente até que seu corpo e sua mente sejam acalmados. São meras pre­liminares para sentar‑se em meditação, úteis para superar os obstáculos à concentração, como dúvida, preguiça, desespero e vontade de prazeres sensuais.

A verdadeira meditação come­ça com o segundo grupo de praticas. Todos essas são passos para que se alcance a unidirecionalidade. Na quinta pratica, pratyahara, o yogui subtrai sua mente dos objetos dos sentidos, focalizando sua atenção no objeto de meditação. Na sexta, dharana, ele prende sua mente ao objeto. Na sétima, dhyana, envolve “um fluxo ininterrupto de pensamento na direção do objeto de concentração”.

A sexta e a sétima praicas corres­pondem, no sistema Visuddhimagga, à aplicação inicial e sus­tentada de atenção. A pratica final é o samadhi.

A combinação dharana ‑ dhyana ‑ samadhi é um estado cha­mado samyama. Esse estado altamente concentrado dá a chave para poderes sobrenaturais como a clarividência e a telepatia. Os Sutras têm uma longa seção sobre como aplicar o samyama para obter diversos poderes.

Ao focalizar o samyama em suas memórias, o yogui pode obter conhecimento de suas vidas pas­sadas; o samyama sobre as marcas do corpo de outrem revela seu estado de mente; o samyama sobre a própria garganta do yogui aplaca sua fome e sede. Tal como no Visuddhimagga, os Sutras vêem esses poderes como sutis armadilhas para o aspirante. O yogui é instado a desprezar esses engodos como derradeiras ten­tações para o ego.

Os aforismas dizem que o samyama sobre “momentos iso­lados e sua seqüência” dá um conhecimento discriminativo, ou prajna, que “libera da servidão da ignorância Mas essa incur­são na via da introvisão parece atenuada na maioria dos comen­tários modernos a Patanjali. É o samadhi que é ensinado como o coração do yoga.

Vivekananda diz: “O samadhi é o próprio yoga; é o meio mais elevado”.

Patanjali elenca diversos objetos adequados para a concentração: a sílaba Om, ou outro mantra; o coração; uma divindade ou “alma iluminada”; ou um símbolo divino. O yogui, ao fundir a consciência com o objeto primeiro, primeiro alcançará o samadhi savichara ‑ concentração‑acesso. Nesse nível de samadhi, existe identidade com o objeto primeiro “mesclada com a percepção de nome, qualida­de e conhecimento”. Depois disso vem o samadhi nirvichara ‑ primeiro jhana, em que há identidade sem outra percepção. Uma vez atingido o nível nirvichara, o yogui deve eliminar até mesmo o pensamento do objeto primeiro e assim alcançar o samadhi nirvikalpa (como no exemplo de Sri Ramakrishna), em que todo sentimento de dualidade fica obliterado.

Nirvikalpa é o samadhi mais profundo; nele, a mente está na sua maior quietude. A tradição yogica diz que alguém nesse estado poderia ficar por até três meses em meditação profunda ininterrupta, com a respiração e outras funções metabólicas vir­tualmente suspensas durante todo esse tempo. Nesse samadhi, diz um comentador, “uma avalanche de beatitude indescritível varre para longe todas as idéias de dor e censura… Todas as dúvidas e desconfianças são dissipadas para sempre; as oscilações da mente se interrompem; o impulso das ações passadas se extingue”. Mas um limite do samadhi nirvikalpa é que ele só pode ser gozado enquanto o yogui permanece quieto, absorto na meditação profunda.

O passo final do yoga ashtanga é estender a quietude pro­funda do samadhi ao estado de vigília do yogui. Quando o samadhi se difunde ao longo dos outros estados de modo que nenhuma atividade ou agitação interior possa enfraquecer seu domínio sobre a mente do yogui, este fica marcado como um jivan‑mukti, um homem liberto. Em sua introdução à biografia de Sri Ramakrishna, o cronista anônimo dá uma descrição eloqüente do estado fruído por este yogui:

Ao emergir do samadhi nirvikalpa, ele está esvaziado das idéias de “eu” e “meu”, enxerga o corpo como uma simples sombra, um estojo externo que reveste a alma. Ele não habita no passado, não dedica nenhum pensamento ao futuro e olha com indiferença para o presente. Observa tudo no mundo com um olhar de imparcialidade; já não é tocado pela variedade infinita de fenômenos; já não reage ao prazer e a dor. Ele ‑ isto é, seu corpo ‑ permanece inalterado se for louvado pelos bons ou atormentado pelos perversos; pois ele se dá conta de que é o Brahma único que se manifesta através de todas as coisas.

O yogui indiano Ramana Maharshi propôs uma simples definição operacional para distinguir entre um yogui em samadhi nirvikalpa e um em samadhi sahaj: se persistir uma diferença entre o samadhi e o estado de vigília, é samadhi nirvikalpa no melhor dos casos; se não houver diferença, o yogui atingiu sua meta de samadhi sahaj.

O yogui em sahaj parcialmente reside no samadhi, não mais se identificando com seus pensamentos ou sentidos. Seu ser está enraizado numa consciência que transcende o mundo sensorial, e assim ele permanece separado desse mundo ainda que operan­do nele. Esse “ideal do yoga, o estado de jivan-mukti”, é a vida num “eterno presente” em que “já não se possui uma consciência pessoal ‑ isto é, uma consciência alimentada por sua própria história ‑, mas uma consciência ‑ teste­munha que é pura lucidez e espontaneidade”.

No samadhi sahaj, a meditação é auto sustentada, fato espontâneo da existência do yogui. Ele exprime sua tranqüilida­de de mente em suas ações. Está livre de todos os laços e inte­resses do ego; suas ações não estão mais presas pelos depósitos do passado. Meher Baba descreve isso como “um estado de total vigilância em que não há fluxo e refluxo, acréscimo e decréscimo, mas apenas a estabilidade da verdadeira percep­ção”. O jivan‑mukti transcendeu a consciência de seu corpo junto com o universo conceitual; ele não vê o mundo como diferente de si mesmo. Para aquele que vive no sahaj, não há ego, e não há “outros”.

Chogyam Trungpa, ao resumir a via budista tibe­tana, adverte que, antes de começar qualquer técnica tibetana avançada, o meditador precisa desenvolver “senso comum transcendental, ver as coisas como são”. Por essa razão, a medi­tação vipassana forma a base do meditador. Ao ver as coisas cla­ramente, o meditador relaxa suas defesas nas situações de vida diária. Isso abre‑o para o shunyata, “experiência direta sem nenhum suporte”. Isso, por sua vez, inspira o meditador a diri­gir‑se para o bodhisattva ideal. Mas esse não é o fim do cami­nho: para além da experiência do bodhisattva está a do yogui, para além do yogui está o siddha e para além do siddha está o Buddha (Buda). Em cada um desses níveis, o meditador tem um sentimento único de si mesmo e do mundo ‑ por exemplo, o bodhisattva  vivência o shunyata. Num nível ainda mais eleva­do fica o espaço psicológico do mahamudra. Aqui, diz Trungpa “os símbolos não existem como tais; o sentimento de experiência deixa de existir. Rela­cionando‑se diretamente com o jogo das situações, a energia se desenvolve através de um movimento de espontaneidade que nunca se torna frívolo”. Isso leva a pessoa a “destruir o que quer que precise ser destruído e a criar o que quer que precise ser criado”. Quando alguém chegou ao mahamudra, não há mais conflito ao longo do caminho.

É difícil avaliar a verdadeira natureza de qualquer via espiritual sem participar de suas práticas. Isso se aplica ainda mais a sistemas como o budismo tibetano, em que o núcleo da instrução é esotérico.

Vajrayana, o segmento tântrico do budis­mo tibetano, é guardado em segredo; o grande tântrico lendá­rio Milarepa adverte: “Os ensinamentos do Tan­tra devem ser praticados secretamente; eles ficarão perdidos se exibidos na feira livre”. Ainda que relatados publicamente, muitos métodos tibetanos são “auto‑secretos”, de modo que é preciso praticá‑los e provar realmente seus frutos para com­preendê‑los. Traduções como a de Evans‑Wentz dão ao leitor um gosto vívido das doutrinas tibetanas. Mas para seguir esse caminho emaranhado é preciso encontrar um lama como guru, pois até hoje os métodos específicos no budismo tibetano são transmitidos apenas do mestre para o discípulo em linhas de transmissão que remontam há vários séculos.

Meditação Pratica 1 – Relaxamento                                 

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