Meditação: Unidade Essencial da Meditação – Programa 10 04 23 #2

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Shiva

Em certos aspectos, cada método de meditação é parecido com todos os outros, com alguns outros e com nenhum outro.

O primeiro nível é o dos traços comuns mais gerais, a despeito das variações proprias de cada técnica, ênfase ou crença de qualquer sistema. Nesse nível mais universal, todos os sistemas de meditação são variações de um único processo de transfor­mação da consciência. Os elementos centrais desse processo são encontrados em cada sistema, e suas características anulam as diferenças ostensivas entre as várias escolas de meditação.

– Preparação para a meditação

 Está o fundamento menos comum entre os sistemas de meditação no tocante ao trabalho de base preparatório exi­gido do meditador. Os sistemas apresentados aqui representam o espectro total de atitudes quanto à necessidade de o medita­dor se preparar através de algum tipo de purificação.

Elas vão da insistência enfática na purificação como prelúdio para a meditação – expressa nas tradições bhakti, cabalista, cristã e sufi – até as opiniões de Gurdjieff e Krishnamurti de que tais esforços são inúteis se acarretam evitar situações de vida nor­mais.

Finalmente, existe a noção de escolas, como, por exemplo, a MT e o zen, de que a pureza genuína emerge espontaneamen­te como um subproduto da própria meditação.

Os tântricos do Bon Marg marcam uma atitude extrema em relação à pureza ao advogarem a violação da continência sexual e outras como parte da prática espiritual.

Idéias sobre o melhor contexto para a meditação também abrangem um amplo espectro.

Os Padres do Deserto se retira­ram para as zonas áridas do Egito a fim de evitar o burburinho e a companhia mundana; a solidão hermética era essencial em seu programa de rígida autodisciplina.

Os yogis indianos modernos procuram montanhas isoladas e retiros na floresta pelas mesmas razões.

Versões ocidentalizadas do yoga indiano como a MT, no entanto, opõem-se a qualquer mudança força­da nos hábitos de vida do meditador; em vez disso, a medita­ção é simplesmente inserida numa agenda diária normal.

A prática zen intensiva é feita idealmente num contexto monás­tico, mas, como a MT, pode fazer parte da rotina diária normal do meditador.

Tanto Gurdjieff quanto Krishnamurti são enfá­ticos: a família, o trabalho e a vida mundana são o melhor con­texto para a disciplina interior, fornecendo a matéria-prima para a meditação.

Na maioria dos sistemas clássicos de meditação, porém, um mosteiro ou ashram é o ambiente apropriado para a medi­tação, monges e yogis são os companheiros ideais, o ato de renúncia é a vocação mais elevada, e as escrituras são a melhor leitura.

Sistemas modernos como a MT dirigem os discípulos para tarefas e atividades organizacionais enquanto vivem seu estilo de vida normal sem impor qualquer mudança maior.

Krishnamurti é o único entre os porta-vozes espirituais a não defender que o aspirante busque a companhia de outros na mesma trilha, como também se opõe a que o aspirante procu­re a orientação de um mestre – elementos essenciais em todos os outros sistemas.

Ao não propagar nenhuma doutrina explícita Krishnamurti de novo está só. Embora outras escolas, como o zen, desencora­jem o estudo intelectual, todas têm ensinamentos formais e informais que os discípulos assimilam. Em algumas tradições, o estudo formal é enfatizado: o monge beneditino, por exemplo, deve dedicar um terço de seu dia ao estudo, e os outros dois ter­ços à oração (meditação) e ao trabalho manual.

– Atenção

A mais forte concordância entre as escolas de meditação está na importância de reeducar a atenção. Todos esses siste­mas podem ser categorizados abrangentemente em termos das principais estratégias para reeducar a atenção descritas no Visuddhimagga: concentração ou atentividade (mindfulnes).. Usan­do o trajeto do Visuddhimagga como exemplo, podemos ver se­melhanças de técnicas obscurecidas pela superposição do jargão e da ideologia.

Os diferentes nomes usados pelos sistemas de meditação para descrever um único e mesmo modo e destino formam legião. Às vezes o mesmo termo é usado em sentidos técnicos especiais mas muito diferentes por várias escolas.

Aquilo que traduz o termo inglês void (“vazio”), por exemplo, é usado pelos yogis indianos para se referir aos estados de jhana e pelos budis­tas Mahayana para representar a percepção do vazio essencial de todo fenômeno. O primeiro uso denota um estado mental esva­ziado de conteúdos (por exemplo, os jhanas informes); o segun­do refere-se ao vazio do fenômeno.

Outro exemplo: Phillip Kapleau  distingue entre zazen e meditação, dizendo que os dois “não devem ser confundidos”;

Krishnamurti  diz que só a “consciência sem escolha” é realmente meditação.

O reconhecimento de que ambos, zazen e consciência sem esco­lha, são técnicas de introvisão permite-nos ver que essas obser­vações aparentemente desconectadas estão de fato enfatizando a mesma distinção: a que existe entre concentração e introvi-são. Por “meditação” Kapleau entende concentração, enquanto Krishnamurti nega que as práticas de concentração pertençam ao reino da meditação.

O Quadro abaixo classifica as técnicas de cada sistema de medi­tação conforme a tipologia do Visuddhimagga. O critério para classificação é a mecânica da técnica:

(a) concentração, em que a mente focaliza um objeto mental fixo;

(b) atentividade, em que a mente observa-se a si mesma; ou

(c) ambas as operações pre­sentes em combinação integrada.

Tipologia da Atenção Aplicada às Técnicas de Meditação

Um segundo pré-requisito para classificação é a consis­tência interna em descrições.

Se é uma técnica de concentra­ção, outras características da trilha jhana são mencionadas – por exemplo, beatitude crescentemente sutil acompanhando concentração aprofundada ou falta de consciência dos sentidos.

Se é uma técnica de introvisão, outras características de práti­cas de introvisão, como a percepção da impessoalidade dos pro­cessos mentais, devem estar presentes.

Se é uma técnica com­binada, tanto as técnicas de concentração quanto as de introvi­são devem estar mescladas e integradas, como no vipassana theravadano.

Na concentração, a estratégia de atenção do meditador é fixar seu foco num único preceito, trazendo constantemente de volta sua mente dispersiva para esse objeto. Algumas instru­ções para fazer isso enfatizam uma asserção ativa da vontade do meditador em aderir ao objeto alvo e resistir a qualquer disper­são.

Outras sugerem um modo passivo de simplesmente recu­perar o objeto alvo quando ele se perde no fluxo da consciên­cia.

Assim, um antigo texto theravadano exorta o meditador a cerrar os dentes, fechar os punhos e dar duro, lutando para manter a mente fixa nos movimentos de sua respiração; um meditador MT, por outro lado, é instruído a “iniciar comoda­mente o mantra” cada vez que notar que sua mente se disper­sou.

Embora essas abordagens sejam opostas num continuum de atividade-passividade, elas são meios equivalentes para reorien­tar constantemente para um único objeto de concentração e assim desenvolver a unidirecionalidade.

Com as técnicas de atentividade – seja a “auto lembrança” de Gurdjieff, o “autoconhecimento” de Krishnamurti, ou o shikan-taza do zazen – os funda­mentos da atenção são idênticos: todos acarretam a vigilância contínua e total de cada momento sucessivo, uma vigilância global da cadeia de consciência do meditador.

Talvez haja poucos tipos puros entre as escolas de medita­ção, salvo aqueles sistemas centrados em torno de uma única técnica, por exemplo MT ou Krishnamurti.

A maioria das escolas é eclética, usando uma variedade de técnicas de ambas as abordagens. Elas fazem concessões às necessidades indivi­duais, moldando técnicas para o progresso do aspirante.

Os sufis, por exemplo, usam principalmente o zikr, uma prática de concentração, mas também às vezes empregam técnicas de introvisão como Muragaba, que é a atenção ao fluxo da própria consciência da pessoa. Por simplicidade, nas seções precedentes uma técnica específica foi enfatizada, geralmente a mais importante.

Diferentes sistemas de meditação podem adotar opiniões totalmente contraditórias sobre a necessidade de, virtualmente, cada ato preparatório, seja um ambiente específico, a necessi­dade de um mestre ou conhecimento prévio do que se espera da meditação. Mas a necessidade de o meditador reeducar sua atenção, seja através da concentração ou da atentividade, é o único ingrediente constante na receita de cada sistema de meditação para se alterar a consciência.

– Ver aquilo em que se crê

As crenças do meditador determinam como ele interpreta e rotula suas experiências de meditação. Quando um sufi entra no estado em que já não tem consciência de seus sentidos, e seu único pensamento é o de Alá, ele sabe que isso é fana; quando um yogi não tem mais consciência de seus sentidos, e sua mente está totalmente focalizada em sua divindade, então dirá que entrou no samadhi. Vários nomes diferentes são usados para descrever uma e a mesma experiência: jhana, samyana ou samadhi, fana, Daat, turiya, a grande fixação e consciência transcendental. Todas parecem referir-se a um estado único com idênticas características. Esses muitos termos para um estado único vêm respectivamente do budismo theravadano, raja yoga, sufismo, cabala, kundalini yoga, zen e MT.

A história da religião é farta de exemplos de experiências transcendentais interpretadas em termos de noções específicas de tempo, lugar e crença. O santo indiano Ramana Maharshi viu seus próprios estados transcendentais em termos de filoso­fia advaíta. Ele conjectura que, durante a sua grande experiên­cia na estrada de Damasco, Saulo, ao retornar à sua consciên­cia normal, interpretou o que acontecera em termos de Cristo e dos cristãos porque àquela época estava preocupado com eles. O grupo de referência de uma pessoa dá a ela uma explicação de suas realidades interiores;

A interação entre as crenças do meditador, seu estado inte­rior e sua auto definição fica clara num exemplo recente tirado do yoga kundalini. Nessa tradição, o guru é crucial para o meditador, seja ajudando-o a alcançar os almejados estados de meditação, seja interpretando e confirmando o significado des­sas mesmas experiências.

Swami Rudrananda, um mestre do yoga kundalini, descre­ve o incidente que precedeu sua exaltação à dignidade de swami. Enquanto meditava, seu mestre tocou-lhe o ombro, e nesse momento:

Eu imediatamente senti dentro de mim a irrupção de uma grande força espiritual que me arrastou contra as paredes de pedra e desencadeou um grande choque elétrico, gerando estranhas espasmos ao longo do meu corpo. Movimentos semelhantes aos de um epilép­tico controlaram meu corpo por cerca de uma hora. Muitas visões apareceram e senti coisas se abrindo dentro de mim que nunca se haviam aberto antes.

Rudrananda tomou sua experiência para confirmar seu merecimento do título swami, uma posição avançada.

Embora um conjunto de crenças sobre estados alterados em meditação possam torná-los seguros, o meditador não precisa de conhecimento prévio específico de tais estados para vivenciá-los.

Em sua autobiografia, por exemplo, Swami Muktananda conta como seu guru lhe atribuiu uma prática de medita­ção, mas não deu informações suplementares sobre o que es­perar além das instruções simples. Quando posteriormente Muktananda entrou em estados extraordinários, ele o fez ino­centemente. Somente depois de experimentar tais estados é que ele topou com livros que lhe eram um arcabouço interpre­tativo para compreender o que acontecera.

O biógrafo de Sri Aurobindo, Satprem, da mesma forma descre­ve os estados insólitos que Aurobindo vivenciou no curso de seu desenvolvimento espiritual, mas observa:

Sri Aurobindo foi o primeiro a confrontar-se com suas próprias experiências e… levou alguns anos para compreender exatamente o que acontecera. Descrevemos a… experiência… como se as etapas estivessem ligadas com muito cuidado, cada uma com seu rótulo explicativo, mas as explicações vieram muito tempo depois, naquele momento ele não tinha sinais orientadores.

– Estados alterados na meditação

Na meditação, o método é o germe do objetivo: os contor­nos do estado que o meditador alcança dependem de como che­gou lá.

A trilha da concentração leva o meditador a fundir-se com seu objeto de meditação no jhnana e depois a transcendê-lo.

A medida que atinge níveis mais profundos, a beatitude torna-se mais irresistível, embora mais sutil.

Na via da atentividade, a mente do meditador assiste às suas próprias operações, e ele consegue perceber segmentos cada vez mais finos de seu fluxo de pensamento.

A medida que sua percepção se torna mais aguda, ele fica cada vez mais desapegado daquilo a que assiste, desviando-se por fim de toda percepção no estado nirvânico. Nesse estado, não há experiência, qualquer que seja.

Todo sistema que usa a concentração descreve a mesma jornada jhana adentro, embora as diversas escolas enquadrem as descrições em termos diferentes. Os atributos-chave desse estado são sempre os mesmos: perda da consciência dos sen­tidos, atenção uni-direcionada para um objeto com exclusão de todos os demais pensamentos e sentimentos de sublime êxtase.

Os sistemas que usam a atentividade descrevem a via da introvisão: percepção cada vez mais refinada da mente do meditador, desprendimento desses eventos e uma focalização imperiosa no momento presente. O estado nirvânico, de per si, não é necessariamente citado como o ponto-final dessa progressão.

Esses dois são os estados alterados prototípicos na medita­ção. Eles não esgotam, porém, todas as mudanças possíveis na consciência que a meditação acarreta. A atenção é extremamen­te flexível e pode mudar a percepção de várias outras maneiras além das duas principais descritas aqui. A reeducação da aten­ção pode também ser ligada a exercícios em outros biossistemas; por exemplo, com o movimento na dança sufi. Práticas adicionais como respiração controlada, jejum, visualizações ou adoção de crenças fortes contribuem para a forma final do estado alterado, acima e além dos efeitos dos exercícios de atenção do meditador.

A atenção é a chave para os estados meditativos alterados, mas o acréscimo de outras práticas contribui para a complexi­dade do cálculo dos estados de consciência resultantes.

Um exemplo de um estado alterado mais complexo é o produzido pela técnica do yoga kundalini chamada shaktipatdiksh, a transmissão direta de um estado meditativo alterado do mestre para o discípulo por meio do olhar ou do toque. A atividade semelhante a um ataque apoplético desse estado pode ser devida a exercícios de controle da respiração bem como a expectativas geradas pela intensa relação guru-discípulo, e tal­vez em parte ao exibicionismo – tudo isso em acréscimo aos efeitos básicos da concentração. Quanto mais meios forem usa­dos para alterar a consciência, mais intricada será a topografia do estado resultante.

A literatura de todo sistema de meditação descreve um estado alterado. O jhana é o protótipo de uma variedade na qual o estado alterado é um enclave de consciência nitidamen­te delimitado, separado dos outros estados. Os estados jhânkos são mutuamente exclusivos dos principais estados normais: acordado, dormindo e sonhando. Outro tipo de estado altera­do, porém, funde-se com esses estados principais. Essa fusão acrescenta novas funções aos estados normais, mudando suas características. Ela atende ao critério de Tart para “esta­dos superiores de consciência”:

(1) todas as funções dos estados “inferiores”, isto é, vigília, sono e sonho, estão disponíveis; e

(2) alguns novos aspectos, derivados de um estado alterado, estão presentes em acréscimo.

Esse tipo de transmutação de consciência é um traço de consciência alterado, uma mudança permanente que transforma cada momento da vida do medita­dor.

O estado “desperto” é o estado ideal de um traço de cons­ciência alterado. Virtualmente todos os sistemas de meditação reconhecem o estado desperto como o objetivo último da meditação.

Na MT, por exemplo, a “consciência transcendental” é o estado alterado que permeia os estados normais. As fases que se seguem à “consciência transcendental” depois de evolução pos­terior são “consciência cósmica”, “consciência de Deus” e final­mente “unidade”. Cada uma representa um mergulho mais profundo da consciência meditativa nos estados normais. A maioria dos sistemas reconhece que esses traços alterados ocor­rem gradualmente e em graus diferentes. No Visuddhimagga, por exemplo, há um gradiente similar nos quatro níveis de purificação decorrentes da penetração cada vez mais funda do estado nirvânico.

A meta de todas as vias de meditação, sejam quais forem sua ideologia, fonte ou métodos, é transformar a consciência do meditador. Nesse processo, o meditador morre para seu eu pas­sado e renasce para um novo nível de experiência. Seja através da concentração no jhana ou da introvisão no nirvana, os estados alterados que o meditador alcança são dramáticos na sua descon­tinuidade com seus estados normais. Mas a transformação derra­deira para o meditador é um estado ainda mais novo: o estado desperto, que se mescla com sua consciência normal e a recria.

Cada escola rotula esse estado final de modo distinto. Mas, não importa quão diferentes sejam os nomes, essas escolas todas propõem a mesma fórmula básica numa alquimia do eu: a difu­são dos efeitos da meditação nos estados de vigília, sono e sonho do meditador. No início, essa difusão requer o esforço do meditador. A medida que progride, torna-se mais fácil para ele manter a consciência meditativa prolongada no meio de suas outras atividades. A medida que os estados produzidos por sua meditação se misturam com sua atividade diária, o estado des­perto amadurece. Quando atinge a maturidade total, ele muda permanentemente sua consciência, transformando sua vivência de si mesmo e de seu universo.

Meditação Pratica 1 – Relaxamento                                 

https://youtube.com/live/xQRCVxNojjc

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